“Encontrei pelo Facebook um homem que transou comigo e tirou fotos de mim quando eu tinha 10 anos e agora ele quer me encontrar de novo”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores:
Querido ogro,

Já escrevi e reescrevi tantas vezes este email que dá ate desanimo. Vou tentar começar pelo princípio do meu problema: encontrei pelo Facebook a filha de um homem que transou comigo e tirou fotos de mim quando eu tinha 10 anos. Consegui o telefone dele e conversei com ele algumas vezes, não sei o que está acontecendo comigo, não sei se quero me vingar ou perdoar, achei que já tinha superado isso.

Tudo aconteceu quando ele me ofereceu uma carona para o vôlei, ele era parente distante do meu pai, tinha sido casado com uma prima minha (e pelo que se falava na família, ela se matou muito novinha com uns 15 anos e ele havia engravidado ela com 12 anos). Já se vê um padrão no comportamento dele a partir daí. Nesta carona, ele foi direto para um motel, e sem me machucar, pelo menos não fisicamente, ele tentou transar comigo. Não conseguiu porque simplesmente não entrava, eu estava assustada, mas não chorei, tentei agir como se eu fosse mais velha, estava numa fase em que queria imitar minha irmã mais velha, que tinha 15 anos, em tudo.

A partir daquele dia comecei a me interessar por meninos e não quis mais brincar de nada, nem de esconder, que era algo que antes eu adorava. Até dei meu primeiro beijo na mesma semana que aconteceu isso, mas os meninos do prédio souberam que ele havia me levado num motel e começaram a tirar sarro de mim, foi horrível.

Ele me procurou uma segunda vez e dessa vez tirou fotos minhas e me penetrou. Eu não sei explicar o que houve, mas eu me senti confusa entre estar fazendo algo sujo e ao mesmo tempo estava feliz por estar tendo a atenção de alguém (que coisa patética, eu sei). Hoje noto que fez tudo de caso pensado.

Minha irmã estava com problemas, tinha começado a se envolver com drogas e por isso resolvemos ir embora. Mudamos para outro Estado, muito longe do que tinha acontecido a mim e dos amigos da minha irmã (que, segundo meus pais, era a parte complicada). Foi uma época difícil para meus pais e resolvi só contar sobre isso que havia me acontecido anos depois, achava que eles não precisavam de mais problemas e me sentia muito culpada, até hoje acho que a culpa foi minha também.

Achei que tinha superado tudo isso até ver a foto dele. Consegui o telefone e liguei, disse quem eu era e que ele havia estragado minha vida por anos, porque com meu primeiro namorado, que fiquei por sete anos, não tive um orgasmo, me sentia suja e não gostava de sexo. Hoje, com 34 anos, estou bem resolvida neste quesito, até demais, porque gosto bastante, mas até chegar neste ponto sofri muito.

A questão que tem me atormentado é que conversei com ele no telefone e ele disse que eu que quis, que ele não me forçou, falei das fotos e ele disse que as queimou, mas não acredito nele. Disse que quer me ver, quer me explicar tudo pessoalmente. Não sei se tem explicação, acho que ele pensa que ficaria comigo de novo, será que ele é louco? Ou eu é que sou louca de falar com ele? Tenho vontade de ir a delegacia, mas sei que já prescreveu, sei também que ele tem medo de mim e não sabe o que fazer, fica ligando e ligando e tentando ser amigável.

Eu comentei com algumas pessoas bem próximas e disseram para eu esquecer, superar, mas não consigo. Será que devo me encontrar com ele, pensei em marcar em um shopping, algum lugar seguro. Será que me ajudaria a superar?

De qualquer forma escrever isso já me ajudou a colocar minhas ideias em ordem, ou pelo menos tentar. Um beijão e obrigada!


Minha cara Sherlock,

Sempre coloquei aqui que a porra do perdão a quem faz algo assim é sempre uma conversa mole: ninguém consegue perdoar um monstro que pratica atrocidade. A vontade de esganar, de devolver todo o mal causado é sempre motivo para muita raiva e consternação, porque quanto mais você tenta perdoar, mais raiva sente de si por não conseguir fazê-lo.

Mas chegar a esse ponto de confronto direto não acho que seja o ideal para você nesse momento. Revisitar assim esse passado pode ser perigoso e um atraso em qualquer progresso que tenha feito, mesmo que não o note.

Isso te aconteceu há mais de 20 anos e ainda te causa o mesmo amargo na boca e te faz engolir todo o rancor causado por tantos anos de confusão. Sexualmente você conseguiu se firmar e ter uma autonomia de prazer sem se prender tanto ao aspecto psicológico e emocional. Será que vê-lo nesse momento não te faria voltar àquela mesma estaca batida e rebatida por tanto tempo?

E outra: o que faria com ele, mesmo que o encontrasse publicamente? Você demonstra ter medo dele te causar algo, por isso propôs que se encontrassem em um “lugar seguro”, mas seguro para quem? Para você, óbvio, mas em qual sentido? Seguro para que ele não faça nada a você ou seguro para que você se controle e não faça nada contra ele?

Certamente essa onda de raiva e ódio que tanto te consumiu irá voltar acumulada e apurada, podendo fazer com que você exploda, não se controle, chore, parta para cima dele sem sequer pensar nas consequências, mas poder causar algo ainda pior: você implodir, reverter essa violência toda contra você internamente, ficando estática, sem reação, como se todo o passado a estrangulasse contra as paredes do presente. Seria quase como se você estivesse sendo violentada por ele novamente, tal qual um corte já feito, cicatrizado apenas na superfície e que arde e dói, ainda mais quando novamente cortado.

Há ainda uma outra possibilidade, talvez a mais assustadora possível: vocês se encontram e você acaba na cama com ele. Sim, por mais doentio e improvável que soe, isso pode acontecer. Certamente ele figurou por muito tempo suas fantasias sexuais, só conseguia ter prazer ao se imaginar com ele. Isso também não é culpa sua, é um truque pregado pelo cérebro confuso com as informações recebidas precocemente e as guardando de forma desordenada nos baús da memória. E de alguma forma, talvez, ao transar com ele agora, você busque, mesmo que inconsciente, uma maneira de compensar o poder que lhe fora tirado quando ele te forçou a algo que não queria. E caso isso aconteça, você se sentirá ainda mais culpada por legitimar a desculpa dele de que foi “você quem quis”.

Mas entendo o que te move: é a busca por respostas. Você não consegue entender, nada faz sentido na sua cabeça, isso te martela constantemente. A falta de resposta pode causar efeitos absurdos na mente de alguém que sofre algum tipo de violência e\ou injustiça. É o que nos faz buscar situações e condições que proporcionem experiências que possam trazer alguma elucidação. Nos viciamos, nos permitimos praticar comportamentos destoantes, nos envolvemos em relações conflitantes. Tudo é a maldita busca pela resposta...

É o que mais repito aqui e nunca será o bastante: você não teve culpa! Era uma criança, não há nada que você tenha feito que justifique o comportamento doentio desse idiota. Mesmo que ele fale que você quis... isso só comprova o quão doente ele é! Se eu sou amigo ou parente de um casal e a filha deles se acostumou a minha presença no cotidiano dela e um dia eu a convido para se sentar em meu colo para brincar e ela quis brincar comigo, é culpa dela caso eu comece a passar a mão nela? É culpa dela caso esse comportamento a faça agir de maneira diferente do esperado para a idade dela, já que está sendo apresentada a uma situação a qual ainda não tem condições de compreender ou mesmo ter o discernimento de querer ou não? A resposta está mais do que explícita...

Nada poderá desfazer o que já foi feito a você. Mas qualquer coisa que fizer agora, se não for bem ponderada, poderá te trazer de volta as sequelas que tanto luta para esquecê-las.

Não creio que você deva se encontrar com ele. Nem agora, nem nunca mais. Você não conseguiu nem conseguirá perdoá-lo, mesmo. Mas se perguntou se conseguirá se perdoar caso vá vê-lo e tudo piore depois de tanto tempo? Pra que viver com mais esse peso?

3 comentários:

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  6. Claro que ele é louco, ele é um monstro, um estuprador. Sem mais. Você não tem culpa de nada, e obviamente te fez muito mal, mesmo que ele não tenha te machucado fisicamente.

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