“Então descobri que ela foi abusada pelo próprio pai dos 6 aos 11 anos. De uns meses pra cá, ela já não quer mais fazer sexo”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , ,
Querido Ogro,

Bom, namoro uma menina que foi abusada sexualmente e agora percebi que nosso relacionamento depende de mim para ajudá-la, pois creio que ela ainda tem trauma.

Há um ano comecei a namorar essa menina de 15 anos que sempre queria ficar comigo. Já no nosso primeiro encontro fizemos sexo e depois disso fazíamos quase todos os dias. Ela nunca tomava a iniciativa, mas sempre que eu perguntava se queria ela dizia que sim, mas ela só fazia isso porque ela queria mesmo me conquistar. Então descobri que ela foi abusada pelo próprio pai dos 6 aos 11 anos, quando conseguiu fugir do pai e foi morar com a mãe.

Desde que eu soube disso odiei mais o pai dela mais do que ela mesmo, só não torturo ele até a morte porque primeiramente não quero ser preso e porque acredito na justiça de Deus.

Em meio a essas transas descontroladas, tivemos uma filha. Eu com 20 anos e ela com 16, hoje nossa filha está com quatro meses e somos felizes, pois logo vamos nos casar. Mas na verdade é uma busca pela felicidade: aprendi a amá-la e quero dar a ela uma vida melhor. Sofreu muito e sei que sem mim iria sofrer mais: tirei ela das bagunças da rua, fiz dela uma mulher responsável, mas tem um fantasma que impede a nossa real felicidade.

De uns meses pra cá, ela já não quer mais fazer sexo e quando fazemos (raramente), mesmo com muito tesão, fica pedindo pra parar e eu continuo e ela gosta muito, a ponto de falar que esta ficando louca de tesão, mas logo para e não quer mais. Analisando os fatos, constatei que isso são traços do trauma: ela me disse que é porque tem medo de se entregar pra mim.

Eu sempre analisei esse comportamento dela e vou descrevê-lo e peço ajuda para obter uma solução: percebi que ela tem medo de sentir prazer, ela luta contra o prazer, quando a masturbo e ela começa a sentir prazer, logo pede para parar e tira minha mão. Me disse que as vezes fica planejando fantasias sexuais para fazer comigo, mas que quando está na minha presença essas vontades acabam (bom, talvez ela não esteja mais gostando de mim).

Essa semana quase nos separáramos. Sempre que falamos sobre essa falta de desejo dela pelo sexo, diz que não me merece e que é melhor largá-la e achar alguém que me satisfaça. Não sei dizer ao certo se isso é um trauma do abuso sofrido - pois já se passaram cinco anos do ocorrido -, se ela tem algum problema ou se apenas não me ama mais. Tudo que sei é que é estranho ela sentir prazer e lutar contra esse prazer.

Então peço, por favor, que me ajude, pois é o futuro de três pessoas que está em jogo.

Talvez ajude no diagnostico: ela disse que quando está fazendo sexo e está sentindo o maior prazer, de repente o prazer acaba e dá vontade de parar na hora. Olha preciso ajudá-la, mas não sei exatamente como, não sei se paro de tentar fazer sexo com ela e de estimulá-la sexualmente, ou se continuo. Por favor me ajude a ajudá-la.


Meu caro moleque,

Vamos lá: primeiro me desculpe pela demora. Anda foda conseguir lidar com algumas coisas por aqui e preciso me recolher um tempo para conseguir ao menos responder algo. Acredite: as dores dessas meninas doem em mim pra caralho!

Outra coisa: não há um "diagnóstico" pois não sou profissional da área. Apenas tento encaminhar alguma luz de pensamento que possa ajudar a buscar mais respostas. É um palpite, um chute, uma tentativa de ajudar alguém a fazer algo bom por ele mesmo. Por isso um profissional da área é sempre indicado. Ainda mais por ela ser tão nova...

O que me contou é algo natural em quem sofreu um abuso tão cedo e por alguém que deveria ser uma referência para ela e que, infelizmente, se tornou uma referência negativa. E quem paga o pato por isso são as outras presenças masculinas na vida dela. No caso, você.

E independe o tempo que passe: isso é algo que trará muitos problemas emocionais a ela até conseguir lidar de alguma forma com isso. Veja o caso da Xuxa: só hoje, quase aos 50, é que conseguiu contar sobre os abusos sofridos até os 13 anos. Veja bem: mais de 30 anos depois e ela ainda se sente mal e machucada e insegura. Viu como o tempo não quer dizer nada? Os cinco anos da sua namorada podem significar apenas meses... as lembranças ainda estão muito presentes e marcadas na pele e no emocional.

Vejo que é novo ainda, um moleque praticamente, e já está com essa preocupação de ajudá-la e esse peso de criarem uma criança sendo tão novos ainda. Isso amadurece, força um amadurecimento que às vezes assusta e sufoca. É como se não tivesse tempo de ser inconsequente, apesar de terem sido quando não usaram a porra da camisinha. Enfim, ainda assim, realmente me alegra ver que busca uma forma de ajudá-la efetivamente. Só isso já é um grande passo, meu caro... muitos no seu lugar simplesmente deixariam de lado. Sim, conheço muitos assim, que por muito menos abandonaram muito mais! Só tome cuidado com essa coisa do “eu fiz”, “eu tirei”, “sem mim ela sofreria mais”. Pega leve nessa, pois pode soar como heroísmo demais e isso tira um pouco do mérito do que fez junto a ela.

Voltando: o desejo dela existe, mas o bloqueio emocional também. Ela se excita, o corpo responde, a vontade permanece... mas ao menor sinal de lembrança do que aconteceu, rapidamente tudo muda. E é em questão de segundos mesmo.

Imagine um exemplo: você está dirigindo uma rua e ao escutar um rojão você bate o carro e mata alguém. Isso vira um trauma para você e toda vez que estiver dirigindo tranquilamente, se escutar um rojão, se lembrará na hora do acidente. Mesmo passado anos, ainda terá essa marca no seu inconsciente. Rojão e direção te lembrarão a morte que causou... e o trauma que ficou.

Com ela é o mesmo: o dirigir é o sexo e o rojão é a memória do abuso sofrido. Quando a memória explode, ela quer parar de dirigir na hora por medo de matar mais alguém. No caso dela, o medo é de ser abusada novamente. E a culpa não é sua. É do filho da puta do pai dela...

Lembre-se de que ela tem apenas 16 anos, com uma filha já nos braços e a presença de um trauma muito forte. Era pra agora estar se soltando e se descobrindo sexualmente, conhecendo melhor o que gosta e não gosta, sabendo as preferências, desbravando o desejo e criando referências sexuais. Mas não: já precisa lidar com esse peso de uma lembrança tão massacrante.

O que fazer? Tenha calma. Não ache que ela não tem mais desejo por você ou que não te ame. Sexo é fundamental numa relação, ainda com um casal tão jovem, mas é preciso respeitar a dor dela. Ela não quis isso, se sente envergonhada pelo que passou e se culpa. Certamente, em algum dos abusos, ela por ventura deve ter sentido algum prazer ou algo perto disso. Não porque quis ou porque gostou, mas por ser algo físico e que não há muito como controlar essa parte.

Não digo que ela gozou ou sentiu prazer, mas uma sensação próxima a isso pode ter acontecido. Uma criança que gosta do carinho da mãe e do pai nas costas sente prazer naquilo e é um prazer não-sexual. E ela sentirá o mesmo caso alguém a acaricie nas costas do mesmo jeito, mas com malícia, entende?

Por isso ela se trava ao sentir prazer. Porque, de alguma forma, arremete a algo que ela sentiu no passado. Ela tinha 6 ano, era inocente, ingênua e sem nenhuma malícia. E, geralmente, os abusos começam assim: com um carinho aparentemente sem intenção clara do agressor, para não assustar e chocar a criança. Ainda mais um carinho vindo de um pai... Por um tempo, para ela, aquilo foi normal e natural, até que sentiu que era algo errado. Foi aí que marcou negativamente.

Quer mesmo ajudá-la? Respirem, sentem-se juntos e conversem de boa. Sem pressão por respostas, sem necessidade de progresso imediato. Apenas converse, ouça o que ela sente e o que ela quiser desabafar. Se for algo totalmente fora do acontecido, deixe rolar. Às vezes algumas mulheres precisam dessa fuga para conseguir respirar. “Fugir” do problema por ora, sabe?

Procurem um psicólogo, será bom pra ela ter outra figura de autoridade ajudando. Ela esteve esse tempo todo sem essa matriz, a dela ruiu com o que o pai fez e todos precisamos de pilares morais. Não sei como a mãe lidou com isso, mas mesmo que tenha feito o máximo que pode, ainda assim a lacuna do pai está destruída e vaga.

No sexo: quando ela pedir pra parar, pare. Deite, dê carinho, um abraço e um beijo apenas. Se ela te afastar nessa hora, diga que tudo bem, que estará ali ao lado caso ela precise. A cubra com um lençol e fique ali, quieto. Não force, não ache que é algo com você. Não é. Ela só precisa respirar nessa hora.

Há muito a superar e realmente espero que você consiga aguentar.
É difícil, mas igualmente recompensador.

Ter a plena confiança de alguém que passou por algo assim é das coisas mais gratificantes que já tive na vida. E conseguir ver um sorriso satisfeito no rosto dessa menina é o que faz tudo valer a pena.

4 comentários:

  1. Anônimo disse...
  2. Meu caro, muito bacana sua intençao de querer entender a ajudar esa garota, acredito que voce goste muito dela e queira apenas seu bem. Esse tipo de coisa, deixa muitas marcas, e em algums momentos ela deve se sentir bloqueiada a qualquer sensacao e desejo que tenha por isso ela pede pra parar - é como se fosse meio sujo sentir isso. Por mais que a gente saiba que não. Bom o mais correto e que voce converse com ela, questine e peça pra ela explicar o que sente. Uma ajuda de um especialista seria otimo tbm. Mas não desista de ajuda-la, ainda mais que voces dois tem juntos uma criança. E de fato isso é o mais importante.. é uma vida e criança sente tudo que se passa numa relacão. Boa sorte meu caro. Siga confiante que tudo dará certo.

  3. Anônimo disse...
  4. Achei muito linda a sua atitude de querer ajudar sua namorada com este problema. Digna de aplausos, pois a maioria dos homens mal tem sensibilidade de perceber se tem algo errado com aparceira na hora do sexo.

    Vamos lá.

    O Felipe infelizmente tem razão quando diz que o pensamento dela vai direto para o acontecimento com o pai e bem na hora que deveria ser a de maior conexão e prazer com você. É foda... e é foda pra ambos.

    eu mesma passei por uma situação de abuso no comecinho da adolescência. Demorei pra conseguir desvinciliar o prazer do sexo do abuso que sofri. Pior é lidar com a culpa eterna de ter prazer com algo que machuca tanto a gente, sabe... Mas o corpo responde e a cabeça acompanha...

    Depois de muito tempo aprendi a inundar a minha cabeça das sensações do corpo na hora da transa e impedir que qualquer memória me acesse neste momento. è fácil? Não, dificil pra caralho. Mas se o parceiro é sensivel ele consegue perceber a dificuldade...

    O bom é que o meu efeito colateral foi criar uma facilidade imensa de gozar. Gozo rápido demais até, pq não penso em nada, só sinto, sinto, sinto...bem.

    Tente conversar com sua namorada, diga que entende caso ela não se sinta bem com determinado toque ou posição (algumas podem gerar lembranças fodas). Na hora da transa seja atencioso, mas a deixe a vontade pra te conduzir, pra te mostrar o que ela gosta ou prefere.

    Só ela vai poder escolher o melhor jeito de lidar com isso, porém ter um parceiro que a entenda ajudará muito nesse processo de culpa e dor que nada deve ter a ver com o sexo, não é?

  5. Anônimo disse...
  6. Essa é uma situação bem complicada.
    Eu passei por algo na infancia,não com meu pai,mais com pessoas q tembem deviam me proteger e não me molestar. Eu tinha entre 4 e 5 anos quando aconteceu as primeiras vezes,hoje tenho 31 e me lembro como se fosse ontem. É uma lembrança q nos acompanha pro resto da vida,o negocio é aprender a conviver com isso. Meu primeiro namorado,eu tinha uns 14 anos,me lembro o nojo q tinha quando ele tentava tocar meu seio,até de colocar a mão nas minhas costas me incomodava. Lembro q quando eu tomava banho,se eu fosse de toalha pro quarto e sentasse na cama eu me sentia um a pessoa muito má,lembro q se eu me olhasse de toalha no espelho,era como se eu tivesse fazendo algo terrivelmente errado,ão invéz do meu reflexo,cheguei a ver monstros no espelho. Bom... Eu superei,espero q ela supere tbm.tudo dependeu do tempo,aprendi a por a lembrança de lado e depois de muitos anos entendi q oq aconteceu não foi minha culpa. Espero de coração q tudo se resolva..
    Abraço.

  7. Anônimo disse...
  8. Eu não sei como tantas mulheres aceitam abusos, físicos e psicológicos, e não fazem nada para mudar a situação, não podem fazer, as amarras psicológicas ficam muito fortes. Ando pesquisando muito sobre isso e achei esse post. O que essa menina sofreu não vai se resolver sem ajuda profissional e o amor do namorado. O principal é a vítima querer ajuda. Pode parecer estranho, mas a maioria das vítimas acham que são as culpadas.

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